Aplicação do CDC na relação entre empresas

Quando uma pessoa jurídica pode ser considerada consumidora nos termos do Código de Defesa do Consumidor?

CONSUMIDORCÍVEL

Carlos Giovani Carvalho

10/26/20233 min read

Via de regra, as relações entre empresas são regidas em modo de paridade. Quando contratam entre si produtos e serviços, uma parte é apenas "contratante" e a outra é a "contratada". Isso ocorre dessa maneira principalmente nos contratos de serviços. Mas, em que situações essas relações serão consideradas de "consumo" para todos os fins legais das normas de defesa do consumidor?

O que diferencia a relação negocial entre empresas?

A resposta na lei é até bem simples. Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei nº 8.078/1990, art. 2º), a pessoa jurídica será considerada consumidora quando adquirir ou utilizar produto ou serviço "como destinatário final". Desta disposição é possível fazer uma leitura, sob outra perspectiva, e afirmar então que se o produto for adquirido para ser processado e destinado para outra pessoa, ou se o serviço for utilizado na atividade econômica da pessoa jurídica, esta não pode ser considerada consumidora. Nesse cenário, as relação são negociais e reguladas pelas normas gerais de direito civil. Mas, digamos, há exceções a essa regra.

Existem duas teorias jurídico-doutrinárias que buscam definir quando alguém (pessoa jurídica ou física) é "consumidor" em uma relação de negócio jurídico: a finalista e a maximalista.

O que diz a teoria finalista?

Essa teoria mais coerente com o propósito do CDC. O "destinatário final" utiliza o bem ou se beneficia do serviço como pessoa final de fato e também no âmbito econômico. É a pessoa física ou jurídica que adquire o bem para uso próprio, um uso de caráter pessoal. O bem ou serviço não é empregado ou utilizado para nenhuma finalidade produtiva e o ciclo econômico se encerra nesta pessoa. Exatamente por isso é considerada destinatária "final".

A pessoa até pode repassar o bem posteriormente de forma onerosa a outra pessoa, mas esse ato posterior não faz parte da atividade econômica desenvolvida por ela e nem tem intenção de lucro. Vamos ao exemplo comparativo, segundo essa teoria:

Se a pessoa jurídica compra um carro para uma finalidade própria, como a locomoção de funcionários, mesmo que revenda depois esse bem usado, e isso não faz parte de sua atividade econômica, ela é consumidora para todos os fins; mas, se ela compra porque a sua atividade econômica é justamente a revenda de carros usados, aí ela não é. Ou, se a pessoa jurídica contrata uma empresa para serviços de manutenção de rede para seu uso nas atividades do seu dia-a-dia, ela é consumidora; mas, se ela contrata para prestar manutenção a equipamentos de pessoas para quem ela presta serviços que necessitam disso, aí ela não é.

O que diz a teoria maximalista?

Essa teoria é mais ampla e para ela "destinatário final" é quem adquire o produto ou contrata o serviço, e pronto! Não importa se haverá destinação econômica ou se o uso será pessoal. Assim, é consumidor e deve ser protegido pela lei tanto a pessoa que adquire um único produto em um estabelecimento comercial, quanto um grande empreendimento que compra imensas quantidades deste mesmo produto, direto da fábrica, para empregar em sua atividade econômica.

Ainda que o produto adquirido pela pessoa jurídica seja insumo de transformação para gerar outro produto que a empresa irá vender a seus consumidores, essa pessoa jurídica será considerada consumidora. Desta forma, basicamente as atividades de revenda, em que o comprador é mero intermediário não seria consumidor, pois não faria qualquer uso do produto.

E como entende nossa Justiça?

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) — tribunal superior que resolve controvérsias desse gênero — tem usado uma espécie de teoria finalistica mitigada (flexibilizada) e entendido que a relação considerada "de consumo" não se configura pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas sim pela caracterização de uma relação de vulnerabilidade de quem adquire ou usa o serviço em face de quem o fornece. Nesse sentido, segundo o próprio STJ, há um "certo abrandamento na interpretação finalística" do art. 2º do CDC para admitir, excepcionalmente, a aplicação das suas normas a determinados consumidores profissionais ou empresariais se ficar demonstrada, no caso concreto, a sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor.

Se quiser tomar nota, esses entendimentos do STJ estão, entre outros julgados, nas decisões nos recursos especiais nº 476.428 e nº 660.026.

Se você é empresário e pode estar com problemas de relações de consumo com seus fornecedores, procure um advogado para saber se seus direitos podem ser defendidos à luz do Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se regras que lhe podem ser mais favoráveis em juízo!